O ALUNO DEVE DECORAR TABUADA?
Um pouco de história ajuda a entender a dúvida
Na escola de trinta anos atrás, saber a tabuada de cor, "na ponta da língua", era ponto de honra para alunos e professores do antigo primário. Poucas pessoas, talvez, ousassem por em dúvida a necessidade desta mecanização.
Na década de 60 despontaram movimentos de todos os tipos, rompendo com tradições seculares: o feminismo, a revolução sexual, os hippies, os Beatles, a revolução cultural na China, as passeatas de estudantes em Paris-68 etc. O ensino da matemática não ficou indiferente ao clima revolucionário. A Matemática Moderna modificou o ensino da matemática. Não vamos discutir aqui as características deste movimento mas, dentre seus aspectos positivos, destacava-se o desejo de aprendizagem com compreensão.
No conjunto de críticas ao ensino tradicional, uma recaiu sobre a mecanização da tabuada. Diversas escolas aboliram e proibiram a memorização da mesma. A professora ou professor que obrigasse seus alunos a decorar a tabuada era, muitas vezes, considerado "antiquado", "retrógrado".
O argumento dos renovadores, contrário á memorização, era basicamente este: "não se deve obrigar o aluno a decorar a tabuada; deve-se, isto sim, criar condições para que ele a compreenda". Os adeptos das novas tendências alegavam que, se o aluno compreendesse a tabuada, se ele entendesse o significado de códigos como 3 x 7, 8 x 6, 5 x 9 etc., então, quando precisasse, sozinho, pensando, ele descobriria os resultados.
Alguns professores rebatiam esta afirmação alegando que, sem saber a tabuada de cor, um aluno não poderia realizar multiplicações e divisões. A cada momento, na realização de cálculos e na resolução de problemas ele "engasgaria" por não saber a tabuada de cor.
É curioso observar que, passados estes anos todos, esta discussão pemanece entre nós.
É necessário compreender
Nesta discussão, apesar das divergências, há uma opinião unânime: deve-se condenar a mecanização pura e simples da tabuada. É absurdo exigir que os alunos recitem: "dois vezes um, dois; dois vezes dois, quatro;...", sem que eles entendam o significado do que estão dizendo. A multiplicação (bem como todas as outras operações e a noção de número e o sistema de numeração decimal) precisa ser construída e compreendida. Esta construção é o resultado de um trabalho mental por parte do aluno.
O termo tabuada é bastante antigo e designa um conjunto de fatos, como por exemplo:
3 x 1 = 3, 3 x 2 = 6, 3 x 3 = 9, etc.
3 x 1 = 3, 3 x 2 = 6, 3 x 3 = 9, etc.
Esses fatos têm sido chamados, por diversos autores, de fatos fundamentais da multiplicação.
Trabalhando com materiais variados (papel quadriculado, grãos, palitos), explorando jogos e situações diversas (quantos alunos serão necessários para formar 4 times de vôlei?), os alunos poderão, aos poucos, construir e registrar os fatos fundamentais que compõem a tabuada.
Construindo a tabuada
A atividade que vamos descrever é bastante rica. Nela, os alunos constróem a tabuada, partindo de alguns fatos simples já trabalhados anteriormente. Primeiramente organizamos a tabela e registramos com os alunos os fatos já conhecidos (até 5 x 5).
É fácil completar a primeira linha pois ela se refere á multiplicação por 1. Também é fácil completar a primeira coluna
Proponha aos alunos que descubram quanto dá, por exemplo, 8 x 3. Eles podem obter este resultado, por exemplo, através de adições sucessivas:
Mas podem também obter 8 x 3 de outro modo. Como 8 = 5 + 3, podem perceber que:
8 x 3 = 5 x 3 + 3 x 3
Na tabela temos os valores de 5 x 3 e 3 x 3, logo:
8 x 3 = 15 + 9 = 24
Da mesma forma podem fazer:
9 x 3 = 5 x 3 + 4 x 3 = 15 + 12 = 27
7 x 4 = 3 x 4 + 4 x 4 = 12 + 16 = 28
Os produtos obtidos vão sendo registrados na tabela.
Nessa altura do trabalho com a multiplicação os alunos já terão percebido que 3 x 5 = 5 x 3, 2 x 4 = 4 x 2, etc. Assim, como já descobriram que 8 x 3 = 24, concluem que 3 x 8 = 24; como 9 x 3 = 27, então 3 x 9 = 27. E a tabela vai sendo completada.
Note que nesta construção, vão sendo usadas intuitivamente, diversas propriedades da multiplicação. Ao longo desta atividade a compreensão da multiplicação está presente o tempo todo.
Uma vez completada a tabela, podemos prosseguir explorando-a ainda mais:
A linha do 1 é igual á coluna do 1. A linha do 2 é igual á coluna do 2 etc. Isto ocorre porque 3 x 1 = 1 x 3, 2 x 4 = 4 x 2 etc.
Na linha do 1 (e na coluna do 1) os números aumentam de 1 em 1.
Na linha 2 (e na coluna do 2) os números aumentam de 2 em 2.
E assim por diante. Na linha 9 (e na coluna do 9) os números aumentam de 9 em 9. É fundamental explorar este ritmo, esta regularidade da tabuada.
Peça aos alunos que localizem todos os 12 da tabela. Ele aparece quatro vezes. Estas quatro aparições correspondem aos produtos 3 x 4, 4 x 3, 2 x 6 e 6 x 2. Faça o mesmo com outros números, com 16, 15 etc. Uns aparecem três vezes, outros duas e outros ainda só uma vez.
A memorização também é necessária
É importante que, uma vez compreendidos os fatos fundamentais, eles sejam, aos poucos, memorizados pelas crianças. Para isso é interessante utilizar jogos variados. Vamos dar um exemplo.
O tabuleiro do desenho, com 36 casinhas, pode ser desenhado em cartolina ou qualquer outro papel. Os números que nele aparecem são os resultados das multiplicações de
1, 2, 3, 4, 5 e 6 por 1, 2, 3, 4, 5 e 6:
5 x 6 = 30, 1 x 2 = 2, 3 x 3 = 9, 4 x 6 = 24 etc.
1, 2, 3, 4, 5 e 6 por 1, 2, 3, 4, 5 e 6:
5 x 6 = 30, 1 x 2 = 2, 3 x 3 = 9, 4 x 6 = 24 etc.
Para jogar são necessários dois dados.
Um aluno joga contra outro. Na sua vez, cada jogador lança os dois dados, observa os dois números obtidos e procura, no tabuleiro, o produto dos mesmos, aí colocando um grão de feijão, por exemplo. O outro jogador deve assinalar seus resultados com outra marca, como tampinhas por exemplo.
Vence o jogador que tiver 3 marcadores numa mesma linha, coluna ou diagonal.
O professor pode ainda promover com os alunos a "gincana da multiplicação", em que um grupo faz perguntas a outro: "quanto é 3 x 9?". Ou então um grupo diz o produto (por exemplo: 63) e o outro encontra os fatores (7 e 9).
Estas atividades contribuem para a memorização da tabuada. É claro que este esforço de memorização não deve ser obsessivo. Se um aluno, em algum momento, não se lembrar, por exemplo, de quanto é 7 x 8, é importante que ele tenha a chance de pensar e descobrir por si próprio. Além disso, devemos discutir com os alunos a necessidade desta memorização. Eles devem saber que ela é necessária para que possamos apresentar um bom desempenho em situações mais complexas. A necessidade da memorização justifica-se. Não é á toa que os fatos fundamentais têm este nome. A fixação dos mesmos é importante para que o aluno compreenda e domine algumas técnicas de cálculo. Na exploração de novas idéias matemáticas (frações, geometria, múltiplos, divisores etc) a multiplicação aparecerá com freqüência. Se a criança não tiver fixado os fatos fundamentais, a cada momento ela engasgará na tabuada, desviando sua atenção das novas idéias que estão sendo trabalhadas.
Respondendo então á pergunta que dá título a esta leitura, devemos dizer que o aluno não deve decorar mecanicamente a tabuada, mas que precisa fazer um certo esforço para memorizar. Insistimos porém que esta memorização deve ser precedida pela compreensão. A ênfase do trabalho deve ser posta na construção dos conceitos. A preocupação com a memorização não deve ser obsessiva e exagerada.
Fonte: educar.sc.usp.br
Fonte: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/artigos/o-aluno-deve-decorar-a-tabuada.php#ixzz1yiRz9eSd